Colecionador de coisas e outras coisas

Século XXI, facilidade na comunicação, facilidade na locomoção (não com referência ao caótico trânsito das grandes cidades, pois aí, não é nada fácil, mas na questão de preços mais baixos para viajar, nas formas de pagamento, no aumento no número de voos, claro, quando aeroportos do mundo inteiro não entram em pane por causa de algum vulcão em erupção ou devido a ações terroristas, mas essa é uma longa questão e fica para ser confabulada em uma próxima vez). Facilidade para comprar, facilidade para acessar revistas e jornais dos mais diversos lugares desse planeta, facilidade para encontrar gente distante. Inúmeras e, talvez, incontáveis facilidades do mundo novo, sem esquecer da acessibilidade rápida e fácil e de grande utilização (quiçá a maior de todas – para não perder algumas coisas do passado) para ouvir músicas na internet e baixar cds inteiros.

Incrível, será que minha vovózinha de 83 anos, que lê apenas jornal impresso (e sem óculos – é verdade!) pensou que um dia isso seria possível? Creio que não. Nem mesmo minha outra avó, já falecida, mas que veio menina para o Brasil, oriunda da Itália, fugindo das tristezas e da podridão da guerra, uma viagem de navio com duração de muitíssimos dias, onde tudo podia acontecer e reclamações eram inviáveis. Hoje, é possível fazer a mesma viagem, ida e volta, em um único dia, com direito a algumas paradas estratégicas para as fotos do famoso álbum de viagens. E, se alguma coisa de errado acontecer, haverá sempre um balcão de reclamações.

O mundo mudou rapidamente e, nesses últimos anos, mais ainda. É preciso ser ligeiro, ágil e antenado para não ficar obsoleto e velho, mesmo sendo apenas um cara de trinta e poucos anos. Você compra um celular de última geração e, na semana seguinte, ele já está ultrapassado. Ligar a TV, antigamente, era coisa simples, apenas apertar o botão e a imagem aparecia, iluminando toda a sala. Atualmente, você precisa ter em mãos, no mínimo, três controles remotos e, então, ligar a parafernália eletrônica (que homens não vivem sem) do “home theater”. Computador é algo para carregar no bolso, câmera fotográfica tem mil funções e está quase perdendo vez para celulares multimídia, máquina de café expresso pode estar facilmente na sua cozinha (mas será que tem o mesmo cheiro do café passado e fresquinho?), lavanderia é algo do passado, afinal, já existem máquinas que lavam a seco, passam, engomam e ainda dão um “bip”, com direito a um sorriso lindo quando terminam sua tarefa (bem, o sorriso é uma pequena invenção, mas o que seria da vida sem os sonhos acordados?).

Porém, certas coisas não podem ser esquecidas. Uma delas é o cheiro de livro novo, como é bom e como é totalmente diferente do que a leitura em frente à telinha do computador. Além disso, é gostoso colocar na estante e, tempos mais tarde, reler as anotações feitas a lápis, no canto da folha ou emprestar para alguém (mesmo sabendo que não o terá de volta) ou, ainda, praticar o desapego e doá-lo para a biblioteca da cidade. Cheiro de lápis de cor também é deliciosamente irresistível, tirar todas as cores da caixa e desenhar livremente, com toda a certeza, muito mais emocionante do que os desenhos que podemos pintar no computador com o “paintbrush”. E, imprescindível para os amantes da música, é retirar um cd do encarte, pode ser caro, mas ter o pequeno disco na vitrolinha, aquele que veio da gravadora, que passou por várias mãos até chegar no seu destino final (a sua casa), aquele que revela um design bonito e artístico, é mágico.

Sinceramente, os discos baixados na internet, podem ser gratuitos, mas nem de perto remetem à emoção de rasgar o plástico (e como é difícil), alisar o disco, sentir o cheirinho de novo, abrir o encarte com as letras das músicas e as fotos dos componentes da banda e, alguns discos até aparecem com surpresas, como um cartão que vira quatro palhetas, um adesivo inédito, um “patch” com o nome da banda para costurar na jaqueta ou um pequeno livro com histórias. Nostálgico? Não. Copiar um cd na net e confeccionar uma capa na copiadora é como comprar uma bolsa falsa de grife (por favor, não!) só que pagando um décimo do valor real. Absurdo? Pode ser que nesse mundo tão modernizado e com tantas facilidades, algumas coisas apenas colecionadores sejam capazes de entender. E, para colecionador, essas linhas são como entender o óbvio.

por Fabiana Langaro Loos

Compartilhe!
Share on Facebook0Share on Google+0Pin on Pinterest0Tweet about this on TwitterShare on Tumblr0

0 thoughts on “Colecionador de coisas e outras coisas

  1. É issso mesmo Fabi, somos seres high tech, seres virtuais, a tecnologia tomou conta, o mundo muda e precisamos mudar para acompanhar.Tem uma galera que nunca e nem vai sentir o cheiro do encarte de um LP. O livro impresso não mais existirá e, o papel não mais fará o seu papel, no metrô ninguém saberá o que vc está lendo.
    Para futuras gerações já estamos colecionando o óbvio, seres que sentirão sómente o cheiro da placa-mãe.

  2. Adorei suas colocacoes, a tecnologia tenta, entra e invade nossos lares de uma forma avassaladora, nos facilita e as vezes nos complica a vida, mas apesar dessa geracao frenetica e desenfreada, ainda assim levaremos sempre o gosto gostoso das coisas mais simples da vida, como deitar numa rede e ouvir o silencio, misturado com o barulhinho da chuva!!!! beijos e sucesso sempre! Re

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *