Um olhar (de artista) na paulicéia (desvairada)

São Paulo é a grande metrópole, lá tudo acontece, várias tribos dividem o mesmo espaço e os mais diversos olhares. Há espaço para todos, há opção para tudo. Há gente diferente, gente igual, gente acanhada, gente solta, gente honesta, gente malandra, gente rica, gente pobre, gente carente, gente fria, gente quente, gente simpática, gente arrogante, na verdade, há mesmo um montão de gente, que assusta, que aguça, que faz São Paulo ser assim, surpreendente, agitada, rápida, engarrafada, barulhenta, ousada e inquieta. É amor ou repulsa, sem sombra de dúvidas, é a “paulicéia desvairada” de Mário de Andrade.

Seu retrato é cinza, fechado, empoeirado, poluído, diluído num vai e vem de gente, que corre o dia inteiro, respirando o cinza que vale ouro, disputando um espaço aonde todo mundo, apesar de todas as diferenças é meio igual, é simplesmente mais um. Fascinação, confusão, caos e organização fazem parte do dia a dia paulistano, onde números não se somam, mas sim, multiplicam-se e os ponteiros do relógio parecem correr bem mais rapidamente ali, no centro da cidade. Cidade que não é espectadora, mas sim, protagonista, é a dona do palco e seus filhos têm o orgulho dessa mãe tão cobiçada, tão festejada.

Os pontos culturais da cidade estão sempre mais cheios que os de outras capitais, sem falar nas cidadezinhas, pobres cidadezinhas do interior, sem teatro, sem galerias, sem museus, cidadezinhas com gente que prefere virar a cara para a arte, porém, até em São Paulo os centros culturais não se encontram tão aglomerados, ainda há falta de curiosidade, um certo ar de preguiça e desleixo ou vontade de alimentar a alma, de pensar e ver diferente, de presenciar a cor e sentir a beleza de respirar e pulsar arte. Mas o Brasil é assim, estranho mesmo, a começar por seu Presidente que dá o (mau) exemplo de que estudar não é necessário, pensando desse modo, as “coisas” de cultura são mera superficialidades, mas esse assunto dá margem a uma longa história, discussão para deixar fervilhar em uma outra hora.

Os taxistas traduzem bem o que é a cidade. Cada um deles vem de um Brasil distante e diferente, com sotaques estranhos, tipos físicos distintos, formação intelectual variada, experiências e vivências múltiplas, mas todos com a mesma vontade de interagir e de se comunicar. Nas constantes conversas com os passageiros revelam a cidade e sua gente, ao mesmo tempo, comunicam-se com o resto do trânsito como se cada dia fosse o fim do mundo, o fim do tempo, sempre exacerbados, atrasados, aporrinhados. Sabem o endereço de todos os lugares, mas em quase todos, nunca deram as caras, apenas deixaram gente. E esse povo desembarcou em frente à Pinacoteca do Estado, Museu de Arte Moderna, Museu de Arte Contemporânea, Instituto Tomie Ohtake, Oca, MASP, sempre com grandes atrações, mas em quase todas essas instituições, ainda e infelizmente (talvez por bairrismo, talvez por mero esquecimento) é possível encontrar catálogos ou panfletos explicativos apenas na língua portuguesa. Assim, a cidade tão antenada acabou sendo altruísta e esqueceu seus visitantes estrangeiros, logo esses, os mais culturalmente interessados.

E São Paulo é assim, um aglomerado de gente, movimento vinte e quatro horas por dia, caos urbano, porém, ainda reina a tranqüilidade atmosférica no interior das construções culturais, é como escolher entre o preto e o branco, o silêncio ou a poluição sonora, entre gente que enlouquece na rua e gente que procura um infinito recomeço de tudo através da arte. A mesma arte que é capaz de afetar e influenciar nossa consciência, nosso modo de pensar e agir, nossas atitudes do cotidiano, a visão do outro e a visão sobre nós mesmos, então, qualquer visita, qualquer respiração no meio desse mundo cão, tão diferente para tanta gente, faz despontar uma outra cidade, dependendo do olhar, ora frenética, ora relaxada, dependendo do tempo, ora breve, ora duradoura, mas sempre uma inesquecível e tentadora paulicéia (desvairada).

por Fabiana Langaro Loos

Alex Flemming na Pinacoteca do Estado (Foto: Fabi Loos)

Victor Brecheret na Pinacoteca do Estado (Foto: Fabi Loos)

Jorge Guinle no MAM (Foto: Fabi Loos)

Yoko Ono no MAC (Foto: Fabi Loos)

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